Recebo muitos emails de advogados perguntando sobre como conseguir um emprego na área aqui em Sydney. Por “emprego na área” leia-se posições de supoerte como paralegal, legal assistant e legal secretary, pois a não ser que vc valide seu diploma por aqui, vc não poderá atuar como advogado.
Já fiz diversos posts sobre o mercado na Austrália para advogados (
aqui,
aqui,
aqui,
aqui,
aqui,
aqui,
aqui e por favor leia também esse post
aqui), mas ainda recebo muitas perguntas sobre como é o passo a passo pra conseguir um emprego na área jurídica. Atendendo a pedidos, aqui está:
1) Monte seu currículo e sua cover letter básicos (digo básicos porque vc vai ter que adaptá-los para cada vaga que mandar)
Quanto a cover letter, nada mais é do que uma carta de apresentação sua. Eu achava que ela devia resumir o currículo, mas depois fui adaptando pra algo bem curto e em
bullet points focando no vaga. Tipo: se a vaga pedia alguém “teamplayer” eu colocava na cover letter que eu era
teamplayer porque trabalhei em sistema de cooperação com uma equipe de x pessoas sempre em harmonia. E assim por diante. Dá um enorme trabalho fazer uma cover letter para cada vaga, por isso que eu digo que só arrumei emprego quando larguei todos os meus 4 (sim, 4!) empregos como garconete e babá, que me consumiam fisicamente e tomavam muito do meu tempo. Já falei mais sobre cover letter nesse post
aqui.
Tenha em mente que vc estará aplicando para uma posição inferior ao que vc fazia no Brasil. Então não adianta nada vc dizer no currículo que coordenava um cliente, era o bambambam do contencioso/tributário/etc se vc almeja uma vaga de secretária ou paralegal. Um currículo muito pomposo só vai fazer vc ser considerado
“overqualified” logo de cara e ter seu currículo descartado.
Eu quando cheguei me recusava a cortar minha longa experiência de quase 10 anos no contencioso, e todas as coisas que eu alcancei na minha carreira. Até conversei com um conhecido australiano que é advogado aqui, ele revisou meu currículo, ficou impressionado com a minha experiência e até encaminhou meu currículo para o responsável do RH do grande escritório que ele trabalhava. Deu em que? Nada! Não me chamaram nem pra uma entrevista porque na maioria das vezes QI não significa nada por essas bandas se vc não tiver o perfil que a empresa está procurando (há exceções, claro, eu mesma já consegui indicar uma amiga pra minha vaga quando saí de licença maternidade, mas isso é exceção por essas bandas, talvez porque meu chefe seja americano ele veja QI com outros olhos, talvez porque ele realmente me ame. haha).
Enfim, passei meses dando murro em ponta de faca e enviando meu longo e qualificado currículo pras vagas de paralegal/legal secretary/legal assistant e no máximo conseguia uma mísera entrevista por mês, sempre infrutífera.
Até que o Thiago finalmente me convenceu a cortar meu currículo, enxugá-lo ao máximo. Como foi dolorido! Negar toda a experiência que eu tinha, dizer que eu só atuava como “suporte” no escritório que trabalhei no Brasil quando na verdade eu tinha o meu próprio time de advogados, cuidava de quatro grandes clientes praticamente sozinha e ganhava participação nos lucros. Depois de contornar meu ego, reduzi meu currículo para 2 páginas, onde praticamente constava assim:
Meu nome
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Meus dados pessoais (endereço, celular e email) – P.S.: Muita gente aconselha a não incluir o endereço porque pode ser motivo de discriminação dependendo do bairro que vc mora.
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Career objective – aqui eu falava em 3 linhas qual meu objetivo na área jurídica, no caso trabalhar como paralegal ou legal assistant (eu mudava pra legal secretary dependendo da vaga) numa posição em que eu pudesse desenvolver meus conhecimentos jurídicos e administrativos.
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Profile – aqui eu colocava palavras chaves que eram pedidas no anúncio, tipo: “motivated, fast learner, diplomatic, proactive, multitask” exemplificando muito brevemente com fatos da minha experiência. Tipo: “Motivated, fast learner and a successful 9-year track record in the legal area, specialized in commercial litigation.” Esse campo tem que ser adaptado para cada vaga, vc tem que ler o que a vaga pede e tentar ao máximo “responder” a todos os itens solicitados.
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Education – colocava apenas meu diploma no TAFE e meu bachelor of law. Tirei minha pós e minha habilitação na OAB por serem absolutamente irrelevantes pra posição de suporte que eu aplicava.
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Employment History – aqui eu colocava o período que trabalhei na empresa, o nome da empresa (detalhe que se for “…Advogados” vale a pena traduzir para “…Lawyers” pra eles saberem aqui que se tratava de um escritório de advocacia e embaixo do nome do escritório eu ainda colocava uma descrição dele assim: “Medium-sized full-service corporate law firm”. Se vc trabalhou pra uma empresa, vale a pena fazer o mesmo pra eles saberem aqui o tipo de lugar que vc trabalhava), a posição que eu tinha no escritório e as responsabilidades que tinha.
Aqui faço um adendo pra fazer uma confissão: depois de tanto ser rejeitada ou sequer obter resposta, comecei a colocar no meu currículo que eu trabalhei no Brasil como “legal assistant” e não como advogada. Feio isso, eu sei, mas não estava mentindo criando uma posição que eu não atuava, eu apenas estava “diminuindo” a minha função. Coincidência ou não a partir daí comecei a receber muito mais retorno e até o escritório que me contratou hoje foi com o currículo assim. Me envergonho até hoje pelo que fiz e foi um sufoco quando tive que dizer a verdade aqui. Quer dizer, sufoco pra mim, porque meus chefes acharam super natural eu ter mentido pra baixo, é super comum imigrantes fazerem isso pra conseguir o primeiro emprego na Austrália. Tanto isso não foi problema que quando eles me ofereceram uma promoção do cargo de legal secretary para paralegal, pediram meu currículo verdadeiro com minha experiência de advogada para mandar pra sede do meu escritório nos EUA e contaram essa experiência na hora de fazer o meu contrato de paralegal, então eu já comecei como paralegal sênior.
Muita atenção para essa parte de “responsabilities” no campo de experiência profissional. Como eu já disse acima, não adianta nada vc dizer que era o bambambam da advocacia no Brasil se está aplicando pra vagas “inferiores”. O ideal é colocar sua experiência em bullet points com frases curtas, tentando ao máximo fazer o link entre o que vc fazia no Brasil e o cargo que está almejando. Ex.: eu no Brasil era responsável por elaborar relatórios de auditoria para clientes. Claro que no Brasil eu fazia isso sozinha com mínima supervisão por conta da minha função, mas de que adianta dizer isso, dizer que eu tinha reuniões com os clientes para analisar orçamento, etc, se eu não teria a mesma autonomia aqui? Então no currículo constava simplesmente: “Preparation of billing, monthly reports to clients and auditing reports”, que efetivamente era o que eu fazia, eu só omitia o grau de responsabilidade. Vale dizer que até hoje faço carta de auditoria como paralegal, só tenho mais supervisão do que tinha no Brasil claro.
Alguns outros exemplos de funções que constavam no meu currículo:
- Filing and maintaining accurate document records
- Establishing deadline control
- Diary management
- General administrative support, including letters and email correspondence
- Drafting correspondence, contracts, letters of advice, pleadings and other court documents
- Liaising with the client to ensure that they comply with federal, state and municipal laws
- Preparing and/or revising of drafts of contracts, including novation, assignment, and joint ventures
- Drafting publishing contracts, license and / or assignment agreements
- Liaising with state and federal regulators on various matters
- Conducting client interviews and meetings
- Preparation of legal opinions and reviews
- Preparation of billing, monthly reports to clients and auditing reports
- Making presentations to clients
- Drafting precedent documents
- Preparation of business plans and attending to business development matters
Detalhe que apesar de eu trabalhar basicamente com contencioso também já trabalhei no jurídico de um banco de investimento no Brasil e no escritório onde trabalhei por quase 10 anos eu já fiz muita coisa de contratos, ambiental, etc, então eu tinha bastante material pra trabalhar no currículo, só colocava de forma mais simplificada.
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Trabalho voluntário – aqui isso é muito valorizado, então eu colocava o tempo que trabalhei no Procon como voluntária e o trabalho que fiz aqui na Austrália como voluntária no tribunal de justiça (bobo, na verdade eu só ficava na recepção dando informações sobre as audiências, como buscar assessoria jurídica gratuita, etc, mas tava valendo pra embelezar o currículo e colocar algum tipo de "experiência local". haha)
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Skills – aqui eu colocava a fluência em português e espanhol (por favor, não vá colocar seu nível de inglês! Se vc está aplicando pra uma vaga em inglês o mínimo que se espera é que seu inglês seja fluente. Se vc não tem inglês suficiente nem pra conversar com um recruiter por telefone, pode desistir e ir estudar inglês primeiro), proficiência em programas de informática e outras “administration skills” como:
- Drafting skills
- Research
- Making presentations
- File management
- Diary management
- Dictaphone typing
- Document formatting
- Billing
Pra quem não sabe, “dictaphone typing” é transcrever gravação de um advogado com as notas dele de uma fita para o computador. Não sei se isso ainda é muito frequente aqui, no meu escritório não se usa, mas fui em algumas entrevistas que o advogado usava. De novo, só coloque essa “skill” se vc tiver um bom ouvido para transcrever gravação em inglês. Eu me sentia segura pra colocar porque tivemos uma matéria dessas no TAFE e eu percebi que conseguia tranquilamente fazer uma transcrição.
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Referência – os conselhos se divergem: muito recruiter diz pra não colocar no currículo, muitos dizem pra colocar. Eu acabei colocando, com os dados dos sócios do meu escritório no Brasil em português mesmo. Vcs podem pensar: “ah, mas ninguém vai checar referência em outro pais”. Pior que checa! O recruiter que me colocou nesse escritório que estou hoje mandou um email para as minhas referências com um questionário para eles responderem em inglês sobre minha função lá e se eles me recomendavam mesmo. Então se vc colocar referência, avise a pessoa e, claro, coloque alguém que fale inglês! :)
2) Passada a fase do currículo e cover letter vem a dúvida: tá, e agora pra quem eu mando? Tem vários sites com vaga de emprego, mas eu particularmente acho o
Seek o mais completo e só aplicava por lá. Vc pode fazer a busca pela cidade, tipo de vaga, etc, e muitas vezes dá pra aplicar pelo Seek mesmo, outras o anúncio vai ter um email pra vc enviar a cover letter e o currículo. Aí muitos me perguntam: e pra que vagas eu posso aplicar? Isso vai depender da sua experiência e objetivo profissional. Eu aplicava basicamente para:
- receptionist e administrative assistant/administrative clerk (no início, porque depois me dei conta que essas vagas eram “júnior” demais e pagam uma mixaria)
- legal secretary (tenha em mente que a secretária jurídica aqui faz mais do que no Brasil, aqui além de atender o telefone a função inclui: arquivamento de documentos, billing, edição de documentos, agendamento de viagens, atualizacao de sistemas com o time entry dos advogados, etc, e em muitos escritoriós é uma plataforma pra se chegar no cargo de paralegal).
- executive assistant (nesse caso só pra algumas vagas eu conseguia me encaixar, pois a maioria exige experiência mais específica no cargo. Muitas vezes vc pode observar nos anúncios que
“executive assistant” tem as mesmas funções de um
“legal secretary” ou
“legal assistant”, e as vezes é mais qualificado. Então na dúvida, abra a vaga, leia o que é pedido do candidato e se vc consegue se adequar.)
- paralegal e legal assistant (muitas vezes usado como sinonimo, eu confesso que até hoje não entendo se há realmente uma diferença nos cargos. Aqui no meu escritório o meu contrato diz
“legal assistant” e na intranet da empresa e na minha assinatura de email diz
“paralegal”).
Há ainda outras vagas que dependendo da sua experiência vc pode tentar aplicar e ver se cola, como “debt collector”, “conveyancer”, “contracts coordinator”, etc. Eu particularmente não aplicava pra nada disso porque não conseguia adaptar minha experiência pra essas vagas. Mas se vc tem uma forte experiência em societário, tributário, contratos, pode tentar também algo nessa linha. Já ouvi dizer que, em tese, um advogado estrangeiro também poderia trabalhar como
“in-house lawyer” aqui, ou seja, no jurídico interno de uma empresa. Eu nunca tentei (até porque minha experiência era basicamente com contencioso) e nem conheço quem tenha tentado, então não sei dizer se cola.
Ah, detalhe pros advogados que trabalham com contencioso: aqui o contencioso civil funciona de forma bem diferente. Então se vc disser que tinha experiência só com contencioso te limita muitíssimo. O que chamamos de contencioso de Brasil aqui eles chamam muitas vezes de
“commercial” ou
“full-service corporate” law. Claro que se eu aplicava pra uma vaga em escritório de contencioso eu focava que tinha experiência em
“litigation” (como o contencioso é chamado aqui), mas tenha em mente que no
common law esse processo é bem diferente do Brasil e envolve um grande trabalho
“pre-trial”. Pra vcs terem uma ideia a única vaga que fiz entrevista em
“litigation” no dia da entrevista me explicaram que o trabalho era basicamente ficar catalogando evidencias
“pre-trial”, renomeando nome de arquivo na
“database” do caso, ou seja, totalmente sacal e pagava uma miséria (talvez por isso eles só conseguissem contratar advogados estrangeiros desesperados por uma primeira experiência na Austrália. Ah, e que fique claro que eu estava tão desesperada que estava disposta a aceitar o trabalho. haha Por sorte fui chamada aqui pro meu escritório antes por um salário bem maior e desisti desse processo seletivo).
Como esse post já está enorme, no próximo post vou falar da próxima etapa: a entrevista.
P.S.: Esse post e o próximo são basicamente pra quem tem visto de residência. Nada impede que com outro visto vc consiga uma vaga nessa área, mas tenha em mente que vai ser beeemmm mais difícil.