terça-feira, 26 de julho de 2016

Cidadania australiana

No postanterior eu falei sobre a dupla nacionalidade, e que estamos no meio do processo de cidadania australiana. Na verdade nosso processo já está no finzinho e na próxima sexta será a cerimonia em que nos tornaremos cidadãos australianos. 

Como muitos devem saber, o visto de residência dá direito a, após quatro anos morando na Austrália e se cumpridos alguns requisitos, seja feita a aplicação pra cidadania australiana. No site da imigração tem um teste pra saber se vc é elegível pra aplicar pra cidadania ou não.
Um ponto importante que muita gente não sabe é que o visto de residência tem prazo de validade. Eu sempre achei que, pelo fato de no visto vir dizendo que “holder permitted to remain in Australia indefinetely”, isso significava que o visto não precisava ser renovado. Só que não! O visto de residência, apesar de permitir que vc fique na Austrália indefinidamente, tem um prazo de validade de 5 anospara que seu detentor possa entrar e sair do país. Na prática isso significa que vc pode ficar na Austrália indefinidamente, mas se for viajar pro exterior e quiser retornar pra cá, precisa aplicar para um “Resident Return visa (RRV)” que custa a bagatela de $360. Olhando meu visto com mais calma, realmente tem lá:


Eu achava que esse prazo era só para a primeira entrada no país depois de concedido o visto, mas não, se aplica a qualquer entrada. Detalhe que esse prazo de 5 anos não conta da data da sua primeira entrada na Austrália, mas sim da data que a Grant Letter foi concedida. Como nossa Grand Letter foi concedida em Junho de 2011, nos deram prazo até Junho de 2012 pra entrar pela primeira vez no país e em Junho desse ano nosso visto expirava. Por sorte o Thiago sabia disso porque leu com mais atenção a nossa Grant Letter, que dizia assim:

Já eu não tinha a menor ideia e era bem capaz de sair do país e só quando voltasse descobrir que estava sem visto, como ocorreu com a manager do meu escritório que foi levada a uma sala da imigração no aeroporto e ameaçada de ter sua entrada no país proibida. Claro que no fim eles acabaram dando a ela um visto temporário de 30 dias pra ela entrar no país e regularizar a situação, mas imagina o susto.

Pois bem, sabendo disso, assim que completamos 4 anos morando aqui demos entrada no processo de cidadania, pois sabíamos que seria longo e burocrático. Tem o passo a passo no site da imigração (https://www.border.gov.au/Trav/Citi/pathways-processes) então não vou repetir aqui, mas o nosso deu um rolo… Um dos formulários que tem que ser preenchido é o de Identity Declaration, ou prova de identidade, que consiste em alguém assinar um documento dizendo que te conhece há mais de 12 meses. Detalhe: essa pessoa tem que ser cidadão australiano e possuir uma das profissões listadas no formulário, que são:
  1. Australian Consular Officer or Australian Diplomatic Officer (within the meaning of the Consular Fees Act 1955)
  2. Bailiff
  3. Bank officer with 5 or more years of continuous service
  4. Building society officer with 5 or more years of continuous service
  5. Chiropractor (licensed or registered)
  6. Clerk of court
  7. Commissioner for Affidavits
  8. Commissioner for Declarations
  9. Credit union officer with 5 or more years of continuous service
  10. Dentist (licensed or registered)
  11. Fellow of the National Tax Accountant's Association
  12. Finance company officer with 5 or more years of continuous service
  13. Judge of a court
  14. Justice of the peace
  15. Legal practitioner (licensed or registered)
  16. Magistrate
  17. Marriage celebrant licensed or registered under Subdivision C of Division 1 of Part IV of the Marriage Act 1961
  18. Master of a court
  19. Medical practitioner (licensed or registered)
  20. Member of Chartered Secretaries Australia
  21. Member of Engineers Australia, other than at the grade of student
  22. Member of the Association of Taxation and Management Accountants
  23. Member of the Australian Defence Force with 5 or more years of continuous service
  24. Member of the Institute of Chartered Accountants in Australia, the Australian Society of Certified Practicing Accountants or the Institute of Public Accountants
  25. Member of the Parliament of the Commonwealth, a State, a Territory Legislature, or a local government authority of a State or Territory
  26. Minister of religion licensed or registered under Subdivision A of Division 1 of Part IV of the Marriage Act 1961
  27. Nurse (licensed or registered)
  28. Optometrist (licensed or registered)
  29. Permanent employee of Commonwealth, State or local government authority with at least 5 or more years of continuous service.
  30. Permanent employee of the Australian Postal Corporation with 5 or more years of continuous service
  31. Pharmacist (licensed or registered)
  32. Physiotherapist (licensed or registered)
  33. Police officer
  34. Psychologist (licensed or registered)
  35. Registrar, or Deputy Registrar, of a court
  36. Sheriff
  37. Teacher employed on a full-time basis at a school or tertiary education institution
  38. Veterinary surgeon (licensed or registered)
Um saco! Por sorte temos um amigo australiano que é advogado e ele assinou pra gente. Demos entrada e demorou umas 2 semanas pra recebermos um email marcando a data do CitizenshipTest pra dali a um mês. Já começamos a ficar tensos porque o teste seria no fim de março, nosso visto vencia em junho e viajamos pro exterior em setembro.
Mas beleza, fomos lá no dia fazer o teste, que é tranquilo e são só umas perguntas que vc estuda antes (eu nunca ouvi dizer de alguém que tenha reprovado nesse teste). Antes do teste foram conferir nosso formulário e a atendente me diz que o Identity Declaration tinha sido preenchido errado pelo nosso amigo e teria que ser refeito. Só que com isso não poderíamos fazer o teste naquele dia e a próxima data disponível era em maio! Certamente não ia dar tempo de concluir o processo a tempo da nossa viagem. Fiquei em pânico! Tentei argumentar com a atendente, que era um absurdo eles não terem me avisado disso antes, tipo, fazia um mês que tinham analisado nossa documentação que foi toda submetida online e esperam o dia do teste pra avisar que tava errado?? A atendente foi super grossa e disse que a não ser que eu conseguisse levar o documento certo lá naquele mesmo dia, não ia ter jeito. Só que isso já eram 4 da tarde e a imigração fechava as 5pm! Saí de lá arrasada e resignada… No trem a caminho do escritório (são 2 estacões daqui) lembrei que eu trabalho num escritório de advocacia, então podia tentar que algum advogado aqui assinasse aqui. O problema é que a maioria dos advogados do escritório que eu trabalho não são australianos e sim americanos, com isso tem apenas uma sócia que teria a capacidade legal de assinar.

Cheguei no escritório as 4:20pm, a sócia em questão estava no telefone, e 5min depois falei com ela. Detalhe que ela teria que assinar o formulário meu e do Thiago + atestar as nossas fotografias. Ela foi nota mil e nem quis ouvir a história toda nem ler os documentos, só assinou onde eu mostrei e disse pra eu preencher no caminho da imigração. Liguei pro Thiago e voltamos correndo pra imigração, de trem! Foi uma cena de filme nós correndo loucamente com os papéis na mão. haha Chegamos lá as 4:50pm e as portas já estavam fechadas porque já tinha acabado o atendimento das pessoas que tinham hora marcada, mas como em teoria ainda era horário de expediente, abriram a porta pra gente. Por sorte a atendente grossa não estava lá - ela até chegou depois e tentou embarreirar, mas dois outros dois caras já tinham nos atendido e liberado pra fazermos o teste. Eu estava tão, mas tão nervosa ainda com a situação toda que me deu um branco absurdo e quase reprovei no teste. haha
Passado o sufoco, nosso pedido de cidadania foi aprovado mas tínhamos que esperar o Council (prefeitura) da nossa região marcar a cerimonia de cidadania, e só depois disso seriamos efetivamente cidadãos. O cara da imigração tinha me dito que o nosso Council marcava rápido e não teríamos problema pra viajar em setembro, mas claro que não foi isso o que aconteceu e mais uma vez passamos sufoco pois a inclusão dos nossos nomes na lista da cerimonia só ocorreu em julho! Cerimonia marcada para 29 de julho, dia em que finalmente nos tornaremos cidadãos australianos!

Depois disso teremos apenas 1 mes pra dar entrada no passaporte australiano, torcendo pra dar tempo de ficar pronto pra viagem. Mas isso são cenas dos próximos capítulos…

terça-feira, 12 de julho de 2016

Dupla nacionalidade - brasileira X australiana

Eu estava debatendo hoje num grupo no facebook sobre brasileiros com dupla (ou mais) cidadania e o que mais ouço é que o Brasil não faz nenhuma objecção a dupla cidadania, que brasileiros podem ter quantas cidadanias quiserem e tal. Como eu e Thiago estamos no meio do processo de obtenção da nossa cidadania australiana, e eu sou uma pessoa curiosa por natureza e não me conformo com essa coisa de “todo mundo diz então é assim”, fui procurar me informar. E a resposta curta é: não, o Brasil não permite dupla cidadania, a não ser em casos especiais. Vou tentar explicar da forma mais resumida e simples possível.

Primeiro eu quero deixar claro que minha pesquisa se refere apenas a brasileiros natos, ou seja, aqueles nascidos no Brasil ou aqueles nascidos no estrangeiro mas filhos de pai ou mãe brasileiros.

Segundo eu quero fazer a distinção, para os leigos, de nacionalidade originária e derivada. Nacionalidade originária decorre do nascimento ou vínculo sanguíneo, enquanto a derivada decorre de processo de naturalização. Um brasileiro que requeira a nacionalidade australiana, p.ex., em decorrência de seus pais serem australianos estará requerendo uma segunda nacionalidade originária. Já o brasileiro que requeira essa mesma nacionalidade australiana não porque tem laços sanguíneos com o país, mas porque tem um visto de residência que permite conversão em cidadania, estará obtendo uma segunda nacionalidade derivada. Guardem esse ponto pois faz toda diferença mais pra frente.

A primeira coisa que deve ser analisada é se o país cuja nacionalidade vc pretende adquirir permite a cumulação desta com a nacionalidade originária brasileira. Vou tratar só da cidadania australiana porque afinal esse blog é sobre a Austrália e eu não sou advogada de direito internacional pra ficar dando aula sobre dupla nacionalidade de vários países distintos. rs

Pelas leis australianas, seus cidadãos podem ter outra nacionalidade livremente (fonte aqui), só tem que ser observado se o outro país cuja nacionalidade vai ser cumulada com a australiana possui a mesma liberdade. Vários países não permitem essa dupla nacionalidade, eu tenho amigos da China e Índia, por exemplo, que tiveram que abrir mão das suas nacionalidades originárias para que pudessem se tornar cidadãos australianos. E quanto ao Brasil?

Aqui começa a confusão. O Brasil não exige que se abra mão de cara da nacionalidade brasileira, como a China e a Índia exigem. Talvez por isso muita gente pense que então está liberado a dupla nacionalidade para brasileiros. Só que não…

A Constituição Federal em seu artigo 12 diz que:

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

“I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

II - adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária.

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)”

Vcs notaram que o item II foi riscado e ganhou nova redação? Isso porque até essa Emenda de 1994 poderia ser declarada a perda da nacionalidade brasileira mediante qualquer aquisição de uma segunda cidadania. Com essa nova redação do artigo a nacionalidade brasileira será perdida se for adquirida nova nacionalidade (regra) a não ser que: 1) essa segunda nacionalidade for originária; 2) essa segunda nacionalidade for derivada mas se trate de uma imposição ao brasileiro que reside no estrangeiro para que ele possa permanecer no dito país ou exercer seus direitos civis lá.

Ficou confuso? É, a lei brasileira é bem confusa mesmo. Deixa eu explicar com exemplos então:

Exemplo 1: João é brasileiro e neto de italianos, e resolve dar entrada no pedido de cidadania italiana. Nesse caso João é brasileiro nato (nacionalidade originária por ter nascido em território brasileiro e/ou filho de pais brasileiros) e, se cumprir os requisitos da lei italiana, vai receber sua cidadania italiana de forma também originária em razão do vínculo sanguíneo. Nesse caso temos nacionalidade brasileira originária + nacionalidade italiana originária, o que se enquadra na letra “a” transcrita acima. Assim, a dupla cidadania de João, nesse caso, é permitida pela lei brasileira.

Exemplo 2: Maria é brasileira e cumpre os requisitos para requerer a cidadania no país X, não por laço sanguíneo mas por qualquer outro motivo. Nesse caso tem que se indagar: Maria precisa virar cidadã do país X para poder permanecer no país X? Se sim, então a dupla nacionalidade (a brasileira originária e a do país X como derivada) é permitida pela lei brasileira. Se a resposta for não, vem outra pergunta: Maria precisa se naturalizar no país X para exercer algum direito civil? Se sim, então a dupla nacionalidade (a brasileira originária e a do país X como derivada) é permitida pela lei brasileira.

E como fica a situação de brasileiros que requerem a cidadania australiana? Vamos fazer as mesmas perguntas do exemplo 2: 1) precisa virar cidadão australiano para permanecer na Austrália? Não, pois com o visto de residência vc pode permanecer na Austrália com os mesmos direitos de um cidadão australiano, com exceção ao direito a votar e ser votado e ao programa do governo de crédito estudantil. 2) precisa virar cidadão australiano para exercer algum direito civil? Nesse ponto a coisa pega, porque primeiro precisa ser definido o que é direito civil. Alguns entendem que o direito de votar e ser votado é um direito civil, outros dizem que é um direito político e não se confunde com direito civil que se refere apenas a direitos individuais (ir e vir, liberdade de expressão, etc). Eu sinceramente não cheguei a uma conclusão e também não encontrei na internet nenhum texto ou decisão judicial definitivos sobre esse assunto.

De todo modo, é fato que o brasileiro que adotar voluntariamente outra nacionalidade não perderá automaticamente a nacionalidade brasileira, mas poderá ser instaurado procedimento no âmbito do Ministério da Justiça, o qual ensejará a perda da nacionalidade brasileira se não restar comprovado ter ocorrido uma das hipóteses de exceção acima indicadas. Isso ocorre? Não sei… Se ocorresse, um brasileiro também com nacionalidade australiana poderia ser afetado ou conseguiria comprovar uma das hipóteses de exceção? Não sei…
 

O Consulado Brasileiro em Sydney fala sobre essas disposições da Constituição no que toca dupla nacionalidade mas não dá o posicionamento deles quanto ao tema.

Nunca ouvi falar de nenhum brasileiro que tenha perdido a nacionalidade brasileira simplesmente porque adquiriu uma segunda, qualquer que seja ela. Quer dizer, até li um caso assim na internet mas de décadas atrás, quando a lei brasileira não permitia em hipótese alguma a dupla nacionalidade.

Meu intuito com esse post na verdade nem era de dizer aos brasileiros que requerem a cidadania australiana que não o façam, ou que tenham medo de perderem a brasileira não. Eu realmente acredito que não tem problema cumular as duas, tanto que eu vou cumular em breve. Só quis fazer um alerta de que o Brasil não permite esse oba oba de múltiplas nacionalidades não, e que esse assunto é mais complexo do que muita gente faz crer quando proclama aos quatro ventos que tem várias nacionalidades cumuladas sem problema algum.

Em tempo: a todos que possuem dupla nacionalidade vale lembrar que, como bem ressaltado pelo Consulado Brasileiro em Sydney, “dupla nacionalidade pode implicar limitações na reivindicação de certos direitos, como nos casos de pedido de assistência consular dentro de um país onde também é considerado como nacional. A título de exemplo: um indivíduo com dupla cidadania, brasileira e alemã, sempre que se encontrar dentro do território alemão será tratado, pelas autoridades locais, exclusivamente como cidadão alemão, e nunca como estrangeiro, ainda que apresente documentos brasileiros e alegue essa condição. Inversamente, no Brasil sempre será tratado como cidadão brasileiro, mesmo que possua outras nacionalidades.”

Vale também lembrar que se vc possui cidadania brasileira e australiana tem que, obrigatoriamente, sair e entrar da Austrália com passaporte australiano e entrar e sair do Brasil com passaporte brasileiro. Não dá pra, como já ouvi gente dizer, achar que pelo fato do seu passaporte brasileiro ter vencido vc pode entrar no Brasil com o passaporte australiano, e vice-versa.
 
Por fim, é também de suma importância ter em mente que com dupla nacionalidade vc possui direitos e deveres inerentes ao país no qual se naturalizou e tem que cumprir com seus deveres sociais, políticos e civis. Então, por exemplo, como no Brasil e na Austrália o voto é obrigatório para cidadãos, se vc tiver dupla nacionalidade desses 2 países vc terá sempre que votar nas eleições de ambos, ou justificar sua ausência.