sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Civilidade

Nas minhas leituras do curso de community services, uma coisa sempre me chama a atenção: o foco na igualdade e acessibilidade dos serviços a todos, independente de gênero, raça, condição social, religião, etc. Além do enorme senso de civilidade e bem estar social.

Isso é uma coisa que sempre me chamou atenção na Austrália. Não é que não haja preconceito, exclusão, serviços públicos de baixa qualidade, etc, mas esse não é a orientação do governo, e nem publicamente tolerado. A regra geral é a tolerância, a civilidade, o bem estar social se sobrepondo ao individual.

Existem vários centros comunitários nos bairros, as informações sobre eles, sobre serviços disponíveis a um determinado grupo e, conquentemente o acesso de uma forma geral, são publicamente divulgados.

Esse senso de comunidade, que tanto falta no Brasil, aqui se vê em pequenas coisas. Seguem alguns exemplos:

- Ao pegar o trem pra casa, salto na estação de Sutherland, que é uma das mais movimentadas na região sul de Sydney. Em frente a estação tem uma rua pela qual todos os passageiros tem que atravessar. Pois bem, nessa rua não tem sinal de transito, mas sim a placa abaixo, que significa que quando o pedestre se aproxima da faixa os carros tem que obrigatoriamente parar e ceder a vez. Agora imagina isso no horário de pico, onde o movimento de entra e sai da estação é enorme. Resultado: as 6 da tarde forma-se diariamente uma fila quilométrica de carros, que não demoram séculos transpor essa faixa de pedestres e mesmo assim esperam pacientemente. Não se ouve buzina, motorista xingando pedestre, burlando a faixa, nada! Uma paz e civilidade que causam espanto a qualquer brasileiro.

- Ainda no trem, aqui existe uma regra não dita: se vc for embarcar no trem, não pode fazê-lo antes que todos os outros passageiros desembarquem. Agora imagina isso na hora de pico, em que tem as vezes dezenas de pessoas pra desembarcar/embarcar no mesmo vagão. Pensa que dá confusão? Empurra-empurra, briga, gritaria, gente caindo no vão entre o trem e a plataforma (e muitos outros percalços de quem anda de trem/metro em qualquer grande cidade brasileira)? Claro que não! Nem uma única vez vi um acidente no trem causado por empurra-empurra, tampouco me preocupo de estar no meio do vagão e minha estação se aproximando, pois tenho certeza que sempre vou conseguir desembarcar com calma, não importa quão cheio o trem esteja. E isso não significa atraso no trem, muito pelo contrário, acho até que fica mais rápido com toda essa civilidade.

- Tenho recebido recentemente várias cartas-comunicado do governo sobre obras de melhoria que estão sendo feitas no meu bairro. Há algumas semanas foi um comunicado de que a estação de trem estaria passando por obras e ia gerar algum transtorno, como trens substituídos por ônibus no fim de semana. A outra ontem mesmo informando sobre uma obra que seria feita de madrugada para troca do asfalto de uma rua próxima. Em todas as cartas havia uma explicação detalhada do que seria feito, um canal (telefone, email) para reclamações/sugestões e um pedido de desculpas pelo eventual inconveniente.

Eu que sempre fui uma pessoa mega irritada e impaciente, aqui tenho aprendido a exercitar a calma nas pequenas coisas do dia a dia, andando mais devagar, esperando pacientemente na fila, etc. Não que eu não fosse educada no Brasil, muito pelo contrario, sempre me revoltei com a falta de civilidade do brasileiro, mas confesso que no Brasil vivia estressada no dia a dia e irritada com tudo e todos ao meu redor. Aqui sinto muito mais calma e tranqüilidade, o que melhora consideravelmente a qualidade de vida.

Não estou dizendo com isso que a Austrália seja o paraíso, que não hajam problemas, pois sim existem – hoje mesmo estava uma discussão aqui no trabalho sobre a péssima qualidade dos hospitais (se bem que péssima pra eles é paraíso pra nós brasileiros...rs), a falta de empatia de muitos enfermeiros e médicos, as longas esperas por atendimento. A grande diferença é que aqui padecem disso todos igualmente, do pobre ao rico, pois o sistema de saúde é público e igual pra todos.

Também não digo que não existe preconceito, racismo, mas quando há é normalmente velado e indireto, pois não é moral e socialmente aceito discriminar o imigrante. Estou há um tempo pra escrever um post sobre racismo, preconceito ao imigrante, mas fico sempre adiando pois não sinto que tenho material suficiente pra isso, em parte porque nunca me senti discriminada... Quem sabe um dia. :)

3 comentários:

  1. É essa civilidade que mais me motiva sair do Brasil, infelizmente aqui é um passando por cima do outro.

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  2. Descobri seu blog ontem e precisava te dar os parabéns! Bem escrito, pé no chão... e me animou muito a conhecer a Austrália (e, quem sabe, imigrar)! Assim como você, sou advogada, mas sempre trabalhei em departamento jurídico interno de empresas multinacionais. Estou pesquisando cursos e me preparando para sair do Brasil, e seu blog é uma fonte preciosa de informações. Obrigada pelo seu tempo e dedicação!
    Abraços,
    Talita

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    1. Obrigada, Talita!

      Vc sendo advogada corporativa talvez tenha mais chance aqui, pois é um direito mais universal. Eu trabalhava com contencioso, o que não tinha qualquer correlação com o direito daqui. Vc talvez consiga aplicar para vagas em empresas, sem ter que necessariamente validar o diploma por aqui. Veja bem, digo isso tudo no maior achismo, pois não conheço ninguém nessa situação. Mas sei que uma amiga minha que tem o mesmo perfil seu está agora fazendo mestrado na Inglaterra, e pra ela é mais fácil estudar o direito empresarial lá pela base que tinha trabalhando anos em multinacionais.

      Boa sorte!

      Bjs, Denise

      P.S.: Adorei o seu perfil no blogger. Principalmente a antepenúltima frase, super me identifiquei! ;)

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