Eu estou pra escrever esse post há séculos, mas nunca me decidia quanto a resposta ao título. Eu sempre achei que a Austrália era um país super aberto a imigrantes e que discriminação/racismo era quase inexistente (ou ao menos infinitamente menor do que se vê na Europa, por exemplo).
Hoje em dia penso um pouco diferente. Com a eleição do Tony Abbott como primeiro ministro no final do ano passado, a discussão sobre imigração se intensificou pois uma das propostas dele era reduzir a entrada de refugiados. Confesso que ainda não li o suficiente sobre as propostas de governo dele, mas me incomoda o fato dele ser de direita e ultra católico. Nada contra nenhuma religião, mas eu acho que o político tem que ser ateu quando estiver exercendo sua função pública, afinal o Estado é laico (ou deveria ser). Então me incomoda o discurso católico e conservador do Abbott misturado com políticas públicas.
Me incomoda também o fortalecimento dos partidos de direita, pois sempre bate aquele receio da radicalização fascista, que infelizmente é o que vem acontecendo em muitos países da Europa (hoje mesmo li esse ótimo texto escrito sobre um rapaz que mora na Franca – clique
aqui pra ler).
Voltando ao preconceito na Austrália. Nunca me esqueço de quando ainda estava procurando emprego em escritório, conversando com uma professora do TAFE ela me disse: “
ah, vc não vai ter dificuldade de achar algo não, por causa dos seus traços físicos” (querendo dizer, a pele branca e traços que podiam passar por “
native australian”). Logo em seguida ela emendou um: “
quer dizer, é triste reconhecer isso, mas infelizmente existe preconceito contra algumas nacionalidades”.
E sim, existe mesmo! Principalmente contra indianos e asiáticos (especialmente chineses). Outro dia mesmo alguém me disse que em muitas empresas currículos de pessoas com nome asiático ou indiano nem eram analisados. Tenho uma amiga coreana que também vira e mexe reclama de sofrer preconceito. Idem para um rapaz que conheci com nome Mohammed (e olha que ele nasceu na Austrália, mas a família é de descendência libanesa).
Outro ponto que me chama atenção são as recorrentes reportagens no jornal (como
essa aqui) sobre atos discriminatórios contra imigrantes pela cidade. A maioria contra asiáticos, mas já ocorreram casos contra franceses também e com certeza com outras nacionalidades. Eu me lembro de algumas vezes, principalmente quando cheguei aqui, estar no ônibus tarde da noite e um grupo de adolescentes ficar zombando daqueles que não compreendiam o que eles diziam e não falavam um inglês fluente (inclusive eu).
O Thiago também já ouviu algumas vezes no trabalho dele comentários discriminatórios como os que exaltam os australianos “
puros” (o que, aliás, é raríssimo por aqui, pois uma enorme porcentagens dos australianos tem descendência estrangeira. No escritório do Thiago mesmo não devem ter nem 5 “
native australians”, o grosso dos funcionários é imigrante ou descendente direto de imigrantes).
Sempre achei isso um caso isolado, mas começo a perceber que é mais comum do que parece. Ainda mais se vc está em bairros mais segregacionistas, como o que estou agora. Em bairros onde a população de estrangeiros é maior, como Bondi, ou bairros de maioria árabe ou chinesa, claro que a aceitação é maior. Mas em bairros de “
maioria australiana” já escutei histórias de crianças discriminadas na escola, por exemplo, se tem a pele mais escura ou ascendência asiática.
O fato é que enquanto vc anda só com brasileiros ou imigrantes fica difícil perceber o preconceito. Mas quando vc começa a se relacionar com australianos, começa a perceber essas pequenas coisas. Claro que não é no nível que ocorre em muitos países da Europa, e como eu disse as leis contra discriminação, racismo e qualquer tipo de preconceito são fortíssimas por aqui, mas isso não significa que no fundo os australianos não se ressintam da presença dos estrangeiros, que tomam postos importantes no mercado de trabalho e recebem benefícios sociais. Outro fato que tem gerado muito ressentimento é o mercado imobiliário estar sendo tomado por imigrantes asiáticos. Já ouvi muitos comentários discriminatórios quanto a isso, e quanto a necessidade de se frear a imigração asiática. O pior é ouvir isso até de brasileiros, que reclamam que “
na Austrália só tem chinês” (o que, além de generalista com a população asiática, é extremamente discriminatório na minha opinião), reclamam de colombianos (como já comentei
aqui), falam mal de indianos que tem um péssimo inglês (detalhe que os indianos são em sua maioria fluentes em inglês, o que eles tem é um forte sotaque, mas que brasileiro também não tem?). Aliás, me irrita profundamente ver um imigrante (seja brasileiro ou de qualquer outra nacionalidade) discriminando outro imigrante, generalizando culturas e taxando outras nacionalidades disso ou daquilo. É uma falta de empatia e bom senso tocante!
Outro ponto é que eu que sempre achei a Austrália menos machista que o Brasil, me surpreendi ontem ao ler uma reportagem sobre uma camisa feminina lançada pra comemoração do “Australian Day” onde se lê: “
Property of na aussie boy” (propriedade de um rapaz australiano) e ver os comentários na reportagem dizendo que “
a camisa não é sexista”, “
se vc não se sente suficientemente conectado ao seu namorado pra usar essa camisa com orgulho, simplesmente não compre”, “
quanto mimmimi por causa de uma simples camisa”, “
banir a camisa seria uma violação a liberdade de expressão”, “
todo mundo se ofende com tudo nos dias de hoje” e o clássico: “
relaxem, é só uma piada!” (reportagem e comentários
aqui).
É, parece que mesmo os países desenvolvidos não são tão desenvolvidos assim quanto se trata de direitos humanos das minorias... Triste esse mundo em que vivemos...