segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Sistema de saúde e "socialismo"

Seguindo a dica do Paulo no último post, eu fui assistir Sicko – documentário do Michael Moore sobre o sistema de saúde nos EUA.

(detalhe que precisou eu assistir mais da metade do filme pra me dar conta que já o tinha visto, anos atrás. Bem que eu estava achando que eram muitos deja vu nas cenas, mas estupidamente só tive a certeza quando já estava na reta final do filme. Realmente minha memória anda ótima! #sóquenão)

Acho que é de conhecimento geral o quanto o sistema de saúde americano é um dos piores do mundo (senão o pior). Ainda assim não deixa de ser chocante. Mas o que me chamou a atenção e me fez escrever esse post foi a correlação com o sistema de saúde da Austrália e com o brasileiro.

Ainda que o sistema australiano não seja mostrado no filme, ele me parece ser bem semelhante ao francês e canadense mostrados: um sistema público e universal.

Mas aí vc pensa: peraí, mas o sistema brasileiro (o SUS) também é gratuito e universal. Isso só na teoria, claro, pois na prática o sistema brasileiro se parece muito com o americano para a população em geral: um sistema falido e elitista. Com o agravante de que no Brasil tem de quebra o “jeitinho brasileiro” pra furar fila de cirurgias no SUS, conseguir leito em hospitais lotados, etc.

Um outro ponto que achei interessante é o foco na prevenção que países como França, Canadá, Cuba e a Austrália fazem. O acompanhamento básico é feito com o GP (general practice, em alguns países chamado de médico de família), e encaminhamento a um especialista só em caso de extrema necessidade. Não são pedidos exames complexos para qualquer coisinha, como no Brasil. Os profissionais médicos de apoio (como enfermeiros) tem participação essencial e muitas vezes fazem a triagem a acompanhamento básico, sem nem passar pelo médico (o que no Brasil, infelizmente, é vetado fortemente pelo lobby do CFM).

Como eu já mencionei, os hospitais na Austrália são todos públicos, e vc será atendido da mesma forma independente de ser rico ou pobre, ter plano de saúde privado ou não. Claro que existem problemas, pessoas reclamam, mas é como uma senhora canadense comenta no filme: “todo mundo reclama de tudo”, porém o fato é que o sistema como um todo funciona.

Me chamou muita atenção também a parte em que o Michael Moore questiona a cultura do “eu”. Explico: a mentalidade que predomina nos EUA (e no Brasil) é o foco no indivíduo ao invés da sociedade. Daí a enorme aversão a programas sociais, que é o que eu mais leio em posts de amigos/conhecidos no facebook e comentários de brasileiros em geral – um tal de xingar/criticar duramente o bolsa família e qualquer tipo de auxílio social, sendo que eles existem em qualquer país desenvolvido do mundo! E são até bem maiores em países de primeiro mundo! (eu ia ficar horas escrevendo se fosse listar a quantidade de benefício social que existe na Austrália...) Outro dia li um texto excelente sobre isso nesse blog (aliás, o título do post é fenomenal: “Não penso, logo relincho”), que retrata tudo que eu penso e mais um pouco que eu não fui capaz de elaborar tão brilhantemente. :)

As pessoas tem uma dificuldade enorme em entender que welfare (bem-estar social) é bem diferente de socialismo. O Michael Moore trava um interessante diálogo com um canadense sobre isso. O canadense estava contando que quando esteve nos EUA teve um acidente de golfe e preferiu voltar ao Canadá pra se tratar, pois nos EUA o tratamento custaria $24,000 e no Canadá saiu de graça pelo sistema público de saúde. Transcrevo o resto da conversa literalmente:

MM – So if you'd stayed in the United States, this would have cost you $ 24,000? Instead, you went back to Canada, and Canada paid your total expenses?

Canadian: – Everything.

MM: – Paid for the operation. It cost you?

Canadian: – Nothing.

(...)

MM: – I'm wondering why you expect your fellow Canadians, who don’t have your problem, why should they, through their tax dollars, have to pay for a problem you have?


Canadian: – Because we would do the same for them. It's just the way it's always been and it’s the way we hope it'll always be.


MM: – Right, but if you just had to pay for your problem, and don't pay for everybody else's
problem, just take care of yourself?


Canadian: Well, there are a lot of people who aren't in a position to be able to do that. And somebody has to look after them.


MM: – Are you a member of the Socialist Party?


Canadian: – No. No.

MM: – Green Party?


Canadian: – No. Well, actually, I'm a member of the Conservative Party. Is that bad?


MM: – Well, it's just a little confusing.

Canadian: – Well... It shouldn't be. I think that... Where medical matters are concerned, it wouldn't matter in Canada what party you were affiliated with, if any
.”



Claro que existe também o outro lado, dos brasileiros se indignarem pelo fato de não verem o tamanho de impostos que pagam sendo revertidos em benefícios sociais para todas as classes sociais, em infraestrutura básica, etc. E eu entendo isso! Só que acho que não adianta tentar mudar as coisas sem primeiro entender a lição básica dos países realmente desenvolvidos: a colocação em prática dos conceitos de comunidade, civilidade e bem-estar social, como praticam o Canadá, muitos países da Europa, e a Austrália. É o que o Michael Moore resume magistralmente no final do filme com a seguinte frase:

“They live in a world of we, not me. We will never fix anything until we get that one basic thing right.”

12 comentários:

  1. Haha, que honra ser responsável pelo post! Infelizmente aqui no Brasil as medidas sociais não passam de puro assistencialismo e o pior, com forte cunho eleitoreiro. Vejo que existe algumas divergências com o work for the dole australiano, mas ao menos é necessário, participar de serviços voluntários, se candidatar a empregos, entrevistas recorrentes.

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    1. Coincidentemente eu estou fazendo um trabalho pro curso que envolve o "Work for the Dole", mas não tinha ouvido críticas a ele não. Depois que vc falou fui dar uma lida rápida, mas a única que me pareceu pertinente a primeira vista é a de ser um programa sexista que privilegia homens. Ainda não tenho opinião formada, ainda estou começando as pesquisas sobre ele. Quem sabe depois não faço um post sobre esse programa. :)

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  2. errata: ha hospitais publicos e privados na Australia. Alem de inumeras day-clinicas privadas.
    ir em especialista nao eh caso de emergencia somente. Eh soh ir no GP e afirmar que voce quer ir num especialista que ele(a) dificilmente vai te negar um referral.
    bj
    Ricardo

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    1. Oi Rico! Obrigada pela errata, mas acho que eu é que me expressei errado. Os hospitais públicos de emergencia são gratuitos, claro que existem privados, mas ricos ou pobres são atendidos nos públicos com qualidade.
      Não é que ir no especialista seja só em caso de emergência, mas de extrema necessidade, ou seja, qd o problema realmente demandar um especialista. E realmente tem GPs que dão referral a rodo, mas já ouvi muitos que regulam bastante. De todo modo, casos que no Brasil já vão direto pro especialista aqui passam sempre pela triagem do GP, o que no início eu estranhava mas atualmente acho mais razoável mesmo.
      Bjs pra vc e a Flávia

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  3. Nada contra o post, mas esse Michael Moore é uma piada... O sujeito ficou milionário fazendo pose de socialista... A medicina cubana é tão boa, que o próprio Fidel Castro contrata médicos espanhóis para tratá-lo... O índice de mortalidade infantil é baixo, pois se durante a gestação for identificada qualquer anomali com o feto, o estado impõe o aborto... Os hospitais "fantásticos" mostrados pelo MM, não estão à disposição da população em geral, apenas dos amigos do rei...

    Quanto aos benefícios sociais existentes em diversos países evoluídos da Europa, vale lembrar que isso foi um dos fatores que levaram muitos países à bancarrota na última crise mundial, pois os custos se tornaram pesados demais e gerou um passivo impagável, condenando até gerações futuras... O que ocorre agora nesses países desenvolvidos é a tentativa.de cancelar boa parte desses "benefícios"...
    A Austrália se beneficiou do boom das commodities para conseguir financiar essa festa, com a desaceleração da economia chinesa e a consequente queda no preço das commodities, veremos por quanto tempo a Austrália conseguirá sustentar esse "welfare"...

    Como dizia Winston Churchill: "There is no free lunch"...

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    1. Caro Anonimo,

      de onde vem suas informacoes sobre cuba? fontes primarias e confiaveis por favor. nao me venha com discurso tirado da veja que isso nao cola... Os paises europeus que quebraram foram por conta do euro que beneficia os grandes (Alemanha e Franca) e pela especulacao na bolsa dos bancos. ess papo que welfare acaba com a aconomia é papo de neoliberal influenciado pelos EUA e a teoria do mercado livre e estado zero. Veja os numeros e o grande exemplo americano pra ver se isso tem dado certo.

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    2. Caro Turino,

      As fontes confiáveis existem e não são baseadas em discurso da veja, mas eu não vou continuar a discussão por aqui.

      Quanto às questões de crise, liberalismo, especulação, welfare e etc., existem muitas teorias e cada um acredita na que lhe for mais aceitável.

      Um ponto interessante é que segundo o site Heritage.org (http://www.heritage.org/index/), a Austrália é um dos países com maior liberdade econômica (livre mercado) do mundo.

      Peço minhas sinceras desculpas pela indelicadeza que eu cometi em postar um comentário sem qualquer relação com o propósito do ótimo blog que vocês construíram e que eu acompanho.

      Por favor, continuem com os ótimos posts que vocês têm publicado.

      Saudações e felicidades para vocês aí na Austrália,

      Igor (Anônimo 20 de dezembro de 2013 14:13)

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  4. Ai ai ai...
    A famosa medicina cubana:
    http://www.therealcuba.com/Page15.htm

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    1. "... a mentalidade que predomina nos EUA (e no Brasil) é o foco no indivíduo ao invés da sociedade."

      Colocar a sociedade Americana na mesmo vala que a Brasileira é dureza... A mentalidade da sociedade brasileira não tem qualquer relação com a americana...

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    2. A famosa medicina cubana II:
      http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=350

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